sábado, 30 de agosto de 2008

O que é a UNE?

Sobre nossas cabeças no pátio da FFLECH na USP, havia um cartaz que respondia:

a) Um circo à favor do governo?
b) Uma fábrica de carteirinhas de estudante?
c) Uma instituição que freia o avanço das questões?
d) Todas as anteriores.
Assinado: Nada será com antes*
(*não me lembro exatamente as palavras mas eram neste sentido)

Acredito realmente que talvez a resposta certa seja a letra d, pelo menos era isso que eu pensava até entrar em contato com algumas cabeças pensantes e atuantes da Instituição. Quando fiz universidade há oito anos, a única coisa que sabia da UNE, além de sua trajetória histórica de forte atuação nos anos da ditadura, era que havia se tornado uma entidade com fins estritamente políticos partidários, sem representatividade, não contemplava os desejos dos estudante como um todo, mas somente os de uma minoria que seguissem os seus interesses políticos. Sabia também é claro, que a UNE fazia as carteirinhas de estudante, da qual me beneficiei os 5 anos de faculdade.
Quando terminei a universidade, e passei a exercer meu ofício com advogada e atriz, atualmente só como atriz, passei a me relacionar mais com o meu país, o teatro de rua me possibilita isso todo dia, no Tá na Rua, montamos um espetáculo que chama Dar não Dói o que Dói é Resistir, ou em Paz com a Ditadura, no qual contamos os 40 anos de resistência cultural à partir do Golpe de 64. Foi no estudo aprofundado da criação deste espetáculo, que pude compreender melhor o esfacelamento das organizações culturais, políticas, sociais e estudantis, principalmente de esquerda. A Ditadura acabou com qualquer possibilidade de organização coletiva pensante que fosse contra seus princípios. E as consequências foram o afastamento dos prédios universitários dos grandes centros (os alunos devem estar isolados, longe dos acontecimentos da cidade). O ensino foi fragmentado em matérias, hoje você passa 5 anos dentro da universidade sem formar um coletivo, cada um faz uma matéria em um horário diferente, as grades são montadas individualmente. Além disso, verificamos que o aluno está na universidade preocupado em se formar, arrumar o seu emprego, e ganhar o seu dinheiro (de preferência muito). Mas este não é um problema exclusivo dos universitários, esta é uma questão da sociedade que vivemos, e daí a dificuldade de modificação da sua estrutura.
Não vemos uma preocupação com o coletivo, é a política do “farinha pouca meu pirão primeiro” e o que eu obtive não divido, ninguém abre mão dos direitos adquiridos. E aí, como termos um país melhor e menos desigual socialmente?!
Muitos debates estavam totalmente esvaziados, por que?? Como fazer com que o jovem se interesse pelas questões que não tenham haver só com o seu umbigo, como fazer ele entender que as discussões das questões coletivas são importantes para ele também. Não existe salvação individual!!!
O Tá na Rua participa da abertura da maioria dos debates, entramos nos auditórios fazendo barulho, preenchendo o espaço, e na mesa simulamos personagens que discutem o tema que será objeto do debate, isso faz com que seja descaracterizada a relação estabelecida nos auditórios convencionais, e, quando acolhida pelos debatedores oficiais, o bate papo fica mais informal e direto e participativo. Com relação ainda aos espaços dos debates, nos questionamos, como atrair as pessoas para dentro de um “buraco” escuro (como são na maioria das vezes) para discutir coisas que a princípio não são de seu interesse. Na PUC-MG os dois debates foram realizados sob a lona de um Circo e na USP o debate que seria em um auditório isolado, foi transferido para o pátio da FFLECH, penso que estes são avanços importantes, são tentativas de fazer o universitário ir ao debate, vejo o esforço da Une neste sentido, estão buscando alternativas...
Nas palestras/debates que pude assistir desde o começo da Caravana, fiquei sabendo de dados importantes, tais como, as grades curriculares formam os alunos para atuarem/prestarem serviços privados e não públicos, o estudante de medicina passa 7 anos no ensino público pago pelo Estado (por nós) e depois ele vai abrir o seu consultório e cobrar um valor que o povo não pode pagar. Como isso deve funcionar? É certo não haver uma formação também voltada para a saúde pública? O que pode e deve ser devolvido para a sociedade?!
As universidades privadas vendem ações, visando o lucro, cortam as verbas, os salários dos professores e reduzem os quadros de funcionários. Investimentos em pesquisas nem pensar, incentivar os alunos a formarem coletivos (Diretórios acadêmicos) pensantes e questionadores, aí então é mais difícil, a especulação financeira é o objetivo principal, e o estudante passa a ser um consumidor da educação, que vale frisar é garantida como um direito pela Constituição Federal. Importante salientar que existem forças econômicas querendo que a Educação deixe de ser um direito e torne-se um serviço, o que colocaria em risco a educação pública!!!
Até quando, vamos deixar esses pensamentos avançarem...como despertar os jovens para as discussões das questões universitárias, da saúde, da educação e da cultura do nosso país e do mundo, a força jovem é fundamental para ocorrer transformações... Como fazer com que voltemos a ter utopias, um certo dia ouvia a Luiza Erundina no programa do Serginho Groisman e ela dizia que quando era nova, os jovens queriam ser protagonistas da história, isso mexeu muito comigo, que acomodação eu vivo, como eu saio disso e vou para o mundo discutir as questões que me façam viver plenamente, qual o meu compromisso com o mundo?!
Consigo realizar/por pra fora parte dos meus desejos nas celebrações/intervenções que faço na rua com o grupo Tá na Rua, entro em contato com o povo, (no conceito mais amplo de povo – do mendigo ao empresário) e ali vivo suas alegrias, tristezas, dificuldades, anseios, vejo nos seus olhos que estão vivos e tudo que querem/precisam, assim como eu, é uma vida plena de liberdade e poesia, acho que o Tá na Rua, através da linguagem desenvolvida pelo mestre Amir Haddad, consegue proporcionar momentos de utopia para aqueles que se deixam tocar pela magia do teatro, do circo, da celebração coletiva.
A transformação deve ocorrer de dentro para fora, de baixo para cima, e, para tocar uma pessoa, fazer com que a informação torne-se conhecimento e que ela possa refletir sobre o que apreende e devolver isso para o mundo, entendemos que o conteúdo deve chegar pelo afeto, pelo coração, e não pela cabeça, só assim, somos realmente tocados e podemos nos colocar em movimento.
Aí entendo o porque da Cultura (Artes Plásticas, Circo e Teatro) participar de uma Caravana da UNE. Num momento em que esta entidade propõe uma transformação, abre-se para o diálogo, deseja voltar a ter sua representatividade histórica, a questão que se coloca é: como chegar nos universitários, na verdade não é um trabalho fácil, como já mencionado, trata-se de uma modificação no sistema que vivemos, mas de alguma forma temos que fazer, temos que agir, se pensarmos no inimigo fica difícil enfrentar, o Tá na Rua não pensa em lutar contra um inimigo (até porque são tantos que se formos pensar gera impotência) mas sim em trabalhar à favor de alguma coisa, e certamente somos a favor da discussão, de colocar as coisas em movimento e revelar possibilidades. O Tá na Rua nunca foi filiado a nenhum partido e nem será, queremos discutir um país melhor, já que amamos o Brasil.
Achamos muito importante que para o processo democrático haja debates, discussões, que o homem coloque os seus conteúdos para fora e participe da vida pública do país, que tenha real liberdade para se expressar. E é por isso, que quando a proposta de viajar o Brasil dentro das universidades se apresentou, após nos questionarmos, achamos que seria interessante ter um contato maior com os jovens, aprender com eles e vivenciar suas questões.
A Caravana da UNE partiu levando discussões de temas de grande interesse da juventude (Lei Seca, Aborto, Drogas, Saúde, Educação, Reforma Universitária e Cultura), os debates que tiveram quórum foram realmente muito proveitosos. Também acompanha a Caravana serviços de saúde como vacinação, doação de sangue e medula e teste de HIV. Mas sobretudo gostaria de salientar que a Caravana da UNE optou por trazer na sua bagagem os artistas, que além da alegria e do colorido, trazem questões. Até agora nas intervenções que fizemos, geramos algumas polêmicas, alguns gostaram outros não, mas o mais importante é que colocamos as coisas e as cabeças em movimento através do afeto. E assim, no melhor sentido da palavra CIRCO, posso dizer que para mim seria maravilhoso se a UNE fosse um pouco de CIRCO também, não podemos ser cabeça o tempo todo, burocratas, temos que nos entregar as paixões, temos que ser um pouco palhaços, rirmos de nós mesmos, saber cair, levantar e replaquear as coisas, a vida segue e é maravilhosa.
Nos encontros de abertura da Caravana, afirmei que o Tá na Rua não levantaria bandeira alguma, que nosso objetivo seria levantar discussões, quer fossem à favor ou contra os posicionamentos atuais da Une, quanto a essa colocação, a diretoria da Une afirmou que era justamente o que eles queriam, levantar debates, e é por isso que os temas são justamente as questões mais importantes para os jovens, portanto a opinião deles é fundamental. Algumas posições que a Une declaradamente adota, eu inclusive não tenho opinião formada, e me pareceu que eles estão abertos à discussão, é fato que alguns posicionamentos são afins ao governo outros nem tanto, mas entendo que a Une deve ser à favor de um país melhor independente de governo.
A carteirinha de estudante, meia entrada, acho imprescindível que continue existindo, pois os preços dos ingressos para acesso à cultura são absurdos, a cultura é tratada como mercadoria, da qual poucos tem acesso, entendo que deveria ser garantido a qualquer cidadão o acesso à cultura.
Com relação a frear os debates e ações, não me parece que seja bem assim, os debates propostos nesta Caravana estão abertos para todos darem sua opinião e não é o que se vê, a maioria das organizações que são contra a Une, simplesmente se recusam a dialogar, o que é uma hipocrisia, pois se pretendem que nada seja como antes, a atitude de mudança deve começar pelo estabelecimento de um diálogo sincero, não é possível que organizações que se dizem progressistas, não consigam conversar!!!
Em algumas universidades o diálogo com o Centro Acadêmico não aconteceu pois me foi dito que os interesses políticos são diversos, engraçado é que na maioria dos casos são todos de esquerda, mas cada um quer o seu: “O meu projeto é o melhor e por isso eu não entro em contato com o seu”, isso é péssimo e a consequência é termos no Brasil uma esquerda esfacelada. Os desejos se formos observar são muito parecido, mas por conta de não abrirmos mãos das nossas pequenezas para realização de uma luta por um objetivo maior, acabamos sempre perdendo as batalhas, o poder econômico do país, as direitas neoliberais se aproveitam da nossa fragilidade para tomar cada vez mais espaço.
Quando vamos conseguir deixar de lado esses pequenas diferenças, os exemplos históricos mostram que as grandes modificações na humanidade ocorreram quando se teve um objetivo maior. É importante que hajam diferenças, mas no momento caótico que vivemos, tenho a convicção que precisamos unir forças. E é isso que me parece querer esta gestão da UNE, e por isso creio que o Tá na Rua segue nesta Caravana, certamente este é o meu motivo, e por ser sempre muito otimista espero que nesta trajetória as minhas impressões se confirmem, é certo que estamos suscetíveis a erros, mas creio que vale a pena arriscar!!!!

Para finalizar digo ao subscritor da questão em epígrafe: Somente quando nos unirmos de fato é que descobriremos as melhores alternativas para responder o que é a UNE e então “Nada será como antes”...

27/08/2008 Ana Cândida

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